BRASIL: DE ONDE VOCÊ ESTÁ (CONTOS CARIOCAS)
Maria Cristina de Azeredo
Não, nós só somos muito amigos! Muito, mesmo! Mas só isso. Nunca teve sexo entre Ricardo e eu, não. Nunca rolou. Nem vontade!
De minha parte, pelo menos. Da dele acho que também não, ou eu teria percebido, que já passei dos quinze anos, né? E, claro, Ricardo teria me falado, porque a gente fala tudo um pro outro e também tem uma coisa: nele, a coragem é ponto forte! E vou te dizer que pra as confidências ele é super legal! por causa da segurança que a gente tem de saber que com esse cara, , o que se fala, fica ali! Maria
E eu nunca deixei de pensar em suas opiniões, ainda mais se são diferentes das minhas, já que a experiência que ele tem e a vontade de ajudar... E sabe também por que? Ricardo é muito culto! Um intelectual! Cheio de idéias, sabe como? E pra essas coisas do amor e do resto, então... sei lá!... Cada uma!...
Daí que, em uns de nossos papos, que a gente tá sempre conversando, antes de contar do Juan, Ricardo já foi falando: “Que? Mais um dos seus covardes?” Essa história de meus covardes depois eu conto. Bom, daí, quando eu ouvi essa palavra, quase gritei: Juan, covarde? Ta louco! Você não sabe é de nada! E falei de certas coisinhas do meu amigo. Ricardo se surpreendeu e aí, quem quase gritou foi ele:”Que?! Estrangeiro, de outra raça, bem, etnia, transgênero, polisexual a essa altura, ra ra! E você perdeu uma oportunidade como essa?” Eu: É.
Eu contei que o Juan, quando se sentia homem, era Juan, e quando se sentia mulher era Michelle. Bem francês, claro, porque coisa mais
chique no mundo não tem! Opinião dele e minha também. Falei pro
Ricardo que, um dia, andei reparando umas coisas e pensei: Ué... Ou eu tô muito enganada ou o Juan ta dando em cima de mim! Eu não tava enganada: ele dava em cima de mim na frente de todo mundo, o infeliz! Bem, eu também, né? Claro. E aí? Nada.
Falando em coragem e covardia, claro que o Ricardo, sabendo desses
caras todos, com suas... sei lá o que, que ele chama de covardia, o
malvado, ele que não tem essas coisas quando ta a fim de alguém, rindo da minha cara. Um dia, ele pegou foi pesado: ”Você, quando encontra um homem de verdade, não quer.” Será? Eu, sempre me defendendo: Ôôô, Ricardinho, a gente tem que entender as dificuldades das pessoas! E ele:”Que problemas, que nada! Covardia! Olha só o Jõao (um quase namorado meu):”você acha que aquela gagueira dele é o que? Covardia!
Ra, ra, ra, ra, ra! Eu sempre soube!”
Covarde ou não, o caso é que eu tava sem transar há um tempão! Já tava até com vergonha, de tanto que durava aquilo. Tive vergonha de contar até pra Beth!... Ela disse:”Bobagem, Mari! Eu, por causa do Heitor, aquele babaca, fiquei mais de um ano sem trepar. É que eu só queria ele, aquele babaca!” Não adiantou! Não contei! Acho que foi nesse dia que me lembrei do Juan: claro, esperando o do trabalho que não vinha nunca, a perigo, mesmo, que eu tava, imaginar um homem (ele é um homem, né?) a fim de mim e com coragem de vir!...
Pensei: É ele! Ele é quem vai me salvar dessa tragédia! Ele não tem vergonha, mesmo!... quer dizer, vergonha na cara ele tem. Não tem é medo. Nem teve, quando pegou na minha mãozinha, lá no bar, na frente de todo mundo!... e só me olhando... Bem, é ele. E é hoje. De noitinha, mesmo, eu telefono.
De noitinha, na hora do lanche, toque no nome, estranho, porque há
muito tempo nós não falávamos no Juan, nas vezes em que fui lá, depois de um tempão1 sem ir. Daí, Beth, séria:”Você não soube?” e eu entendi, né? Soube o que? O que aconteceu?! perguntei ,já sabendo... “Foi no ano passado, Mari. Você não sabia que ele andou se metendo com venda de drogas? Todo mundo sabia!... Coisinha de nada, mas...” Eu só ia dizendo: ah... “Aí, ele tava com a galera lá no bar e veio um carro e... armados, os caras. Claro.
Eu perdi outra amiga nessa, também: a Célia, lembra que eu te falei nela? Uma que dava umas festinhas ótimas! em casa . Tão legal... Jovial. Ela dançou porque estava ali no bar! Não tinha nada a ver com essas loucuras do Juan, não. Ele tentou correr... ai! não posso imaginar elezinho correndo, coitadinho! Mas não deu: eles vieram pra matar, mesmo! Foram dois mortos e alguns feridos.” E eu só dizia: ah...
Passei vários dias com medo de dormir no escuro! Não era medo de ver um espírito, não. Acho que não. Era diferente, como se eu fosse uma criança pequena com medo do escuro. Um dia, triste e puta da vida! falei com Deus: Você leva as pessoas de nós, né? Tira! elas da gente!
Depois falei com o Juan, sem medo do escuro, nem de nada: Juan, daí de onde você está, pode me ouvir? Eu tenho! quero! te dizer! Eu preciso! te dizer. Eu não transei com você, não foi por não te achar atraente, ou digno de merecimento, não. Foi por vergonha: nós éramos muito amigos e aí, quase sempre dá vergonha, não é? Todo mundo! é assim, acho. Foi só isso: eu não tive coragem. Por isso escapava: eu tive vergonha.
“TV: PLANTÃO GLOBO NOTÍCIAS! BRASIL DE LUTO! MORRE NO RIO DE JANEIRO, AOS 38 ANOS, DE UMA PARADA CARDÍACA, A CANTORA CÁSSIA ELLER!”
E naquele Reveillón, na praia de Copacabana, duas flores brancas. Pela coragem. Que algumas vezes, na vida, eu não soube ter.
FIM
Maria Cristina de Azeredo.
<tinadeazeredo@gmail.com>
Dedicado à minha mãe, Eulina A. de Azeredo.
In Memorian
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